Sexta-Feira, 30/10/2009     
Ano V - Edição Nº47   


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  GIRO PELO MERCADO  
 
 
 

TEMPO DE ESPERA:
POSSÍVEL FONTE DE LUCRO PARA A EMPRESA

Por Fernando Lima, consultor do Mercado Corporativo e
coordenador do curso de Pós-Graduação em marketing
da Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro
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Existe nas universidades americanas uma velha regra conhecida de todos os alunos: se um professor assistente se atrasa, espera-se por ele 10 minutos; se ele for professor adjunto, 15 minutos; e se for titular, 20 minutos. “Em resumo, se aquilo que se deseja obter é supostamente melhor do que as alternativas existentes, vale a pena esperar”, observam Diana Gavilán Bouzas e Jesús García de Madariaga, professores do departamento de comercialização e pesquisa de mercados da Universidade Complutense de Madri em recente pesquisa publicada no Universia Business Review intitulada “Esperamos porque é melhor ou é melhor porque esperamos? Um estudo investigativo da relação entre tempo de espera e valor percebido”.

Os autores explicam no estudo que as pesquisas sobre o tempo de espera sempre partiram de um pressuposto negativo. Contudo, pode haver efeitos positivos baseados na relação tempo de espera/valor: “A espera pode aumentar a expectativa de valor de uma opção e o valor — quer seja percebido por experiências anteriores ou esperado — pode levar o sujeito a pressupor a espera e/ou aumentar sua tolerância em relação a ela”, observam.

Em outras palavras, conforme disse Gavilán ao Universia-Knowledge@Wharton, “embora os gestores de serviços fujam da demora como o diabo da cruz, porque é coisa muito ruim para o negócio, uma vez que ela acaba com a paciência das pessoas. Se analisarmos a realidade, veremos que há um certo consenso em torno da ideia de que só estamos dispostos a esperar por coisas boas”. Do ponto de vista da empresa, assinalam os autores, a compreensão do efeito positivo da demora seria muito produtivo para a empresa, já que “quando espera, o cliente passa a dar mais valor aos produtos e serviços; ou então, se o valor esperado justifica a espera, a margem operacional da empresa cresce consideravelmente”. Para estudar a relação existente entre o tempo de demora e o valor atribuído a um serviço, Gavilán explica que foi feita “uma demonstração mais ou menos científica do que se passava com as pessoas submetidas a um período de espera.

Elas recebiam explicações sobre a demora e em seguida analisava-se sua reação, que podia ser de aceitação ou não”. A professora observa que alguns dos cenários propostos eram comparativos. No caso de um parque de diversões, por exemplo, os participantes recebiam explicações em outro local sobre cada atração — já que em boa parte das filas o consumidor não sabe de que forma vai acabar a experiência —, computando-se, em seguida, os diferentes tempos de espera. Por fim, os pesquisadores queriam saber qual havia sido a experiência mais emocionante, aquela na qual eles acharam que valeu a pena gastar seu dinheiro etc. Ficou comprovado que, para a maior parte das pessoas, a atração que mais haviam demorado a experimentar tinha sido a mais emocionante de todas. “Não há a menor dúvida de que havia sido bom esperar, ou seja, se é preciso esperar, então é porque é bom. A experiência funciona em ambos os sentidos.

Trata-se de uma bidirecionalidade curiosa, embora não se saiba muito bem qual seria sua causa ou consequência.”

A bidirecionalidade da espera

Os autores observam que quando o consumidor confere um valor elevado a um produto ou serviço, ele é capaz de esperar mais tempo e com menor desgaste psicológico. O valor faz com que o cliente absorva o custo da demora. Por exemplo, o recente lançamento mundial do iPhone da Apple na Espanha provocou filas: o primeiro comprador chegou às 17 horas.

Contudo, nem todas as pessoas que entram voluntariamente em uma fila valorizam da mesma maneira seu objetivo. No estudo feito, os autores mostram que há um processo de compensação entre o significado subjetivo do serviço ou produto pelo qual se espera (benefício) e o tempo de espera (custo). O consumidor tolerará o atraso “se perceber que sua situação vai melhorar pelo fato de ter esperado. Portanto, aumentar o valor esperado pelo serviço é o melhor que o fornecedor pode fazer para gerir o tempo de espera de forma eficaz.

Os atrasos de modo geral, ao contrário do exposto acima, são intrinsecamente pouco satisfatórios para a imensa maioria dos consumidores. Portanto, “se houver outras opções, e mesmo assim os consumidores optarem por um produto ou serviço específico, superando a capacidade de oferta devido ao excesso de demanda, isso é sinal de que o produto ou serviço em questão reúne uma série de características superiores às alternativas existentes ou, pelo menos, é amplamente satisfatório”. Esperar para adquirir um produto ou serviço pode conferir valor ao item demandado, pode torná-lo mais atraente, exclusivo, desejável e satisfatório.

Contudo, isso não significa que o aumento do valor desejado, motivado pela espera, deva necessariamente melhorar a percepção do serviço no momento em que ele é entregue ao consumidor. Além disso, a demora é interpretada pelo consumidor como custo adicional. “As regras de comportamento do consumidor não são necessariamente racionais”, observam os autores. Ele não tem informações suficientes para julgar um serviço, e o mecanismo que se emprega para avaliar os benefícios produzidos pode ser um mero indicio ou atributo extrínseco. “Portanto, quando uma grande quantidade de pessoas escolhe o mesmo item, provocando esperas subseqüentes — e havendo alternativas —, a prova do valor da escolha fica evidente

Regras heurísticas

Gavilán explica que a isso se dá o nome de regras heurísticas de decisão, que são ainda pouco exploradas. Em outras palavras, o consumidor não é um sujeito totalmente racional. Pelo contrário, ele recorre a regras muito intuitivas e baseadas em argumentos que, por vezes, não se sustentam. “Por exemplo, uma heurística muito fácil de entender diz que as coisas douradas parecem melhores.

Os doces são embrulhados em papel dourado, e não em papel pardo, embora este seja melhor. Se queremos que algo pareça melhor, basta envolvê-lo em papel dourado para que brilhe.” Trata-se de uma regra de decisão muito simples: “Em vez de analisar milhares de fatores, o consumidor baseia sua decisão em detalhes. Basta-lhe uma boa razão para decidir”, explica. “Nesse âmbito de irracionalidade, o mecanismo de tomada de decisão baseia-se em informações bastante específicas. Uma das fontes de informação mais populares — e pouco estudada — é o tempo de espera”, acrescenta. Quando alguém vai a um restaurante, diz Gavilán, recebe uma porção de informações: o layout da casa, suas dimensões, o cardápio, preços etc., porém todo o mundo presta atenção a um detalhe: a existência de numerosas pessoas em fila para entrar, observa a pesquisadora referindo-se a um outro cenário proposto aos 112 participantes da pesquisa entre 25 e 65 anos, escolhidos aleatoriamente para o estudo.

Foi pedido a eles que escolhessem entre dois restaurantes com e sem espera. Outros cenários propostos foram os seguintes: relacionar modelos de TV com prazo de entrega; relacionar advogados com tempo de espera para atendimento; indicar o grau de preferência por 3 opções de lazer e, posteriormente, indicar o tempo aceitável de atraso para cada uma; avaliar um médico com base na descrição da consulta com ou sem espera. Contudo, para que a espera possa servir de fonte de geração de valor, os autores observam que é necessário atender a pelo menos algumas das seguintes premissas:

1. Existência de alternativas. O cliente deve estar consciente de que há outras opções, embora possa não ser muito desejável o acesso a elas. Gavilán explica que quando alguém vai ao ministério da Fazenda e é obrigado a esperar durante um bom tempo, ninguém pensa que por causa disso vai ter um atendimento excelente. “Esse é o tipo de espera de quem não tem alternativa. Quando há opção, observa, a pessoa recebe informações sobre os diferentes serviços a que todos podem recorrer. É nesse momento que se aplica a regra heurística.

2. O tipo de atribuição causal por parte de quem faz a demanda quando requer o serviço deve primar pelo equilíbrio; o locus externo e o grau de controle escapam ao provedor. A causa da espera não está nem no cliente, por fazer uma demanda num momento inoportuno, nem no provedor, em razão de uma organização deficiente. O cliente está convencido de que a situação é consequência do fato de que outros, assim como ele, constataram a existência de uma boa alternativa, o que reforça ainda mais a escolha. Em outras palavras, “o cliente não acreditará que a demora é fonte de valor se achar que ele é o culpado por ela, isto é, porque se equivocou na hora da escolha. Por exemplo, se vai a um restaurante num sábado e pensa: “Errei. Hoje está cheio porque é sábado. Eu deveria ter vindo em outro dia da semana”, explica Gavilán.

3. A informação obtida durante o atraso serve para atenuar o risco. Explica-se, portanto, desse modo a força de atração da fila sobre novos clientes. Em seu objetivo para maximizar a satisfação com a escolha feita e minimizar o risco, o cliente prefere observar a conduta de outros consumidores. Uma loja cheia de gente, ou um restaurante com pessoas na fila será sempre mais atraente do que uma loja ou um restaurante vazios.

4. Princípio da escassez: quanto menor for a oportunidade, maior será o grau de atração, porque o medo de ficar sem o produto aumenta automaticamente seu atrativo.

5. Poderá existir, eventualmente, a convicção de que o tempo de espera é consequência do tempo de desenvolvimento da parte do fornecedor, o que seria imprescindível para garantir a qualidade do produto ou serviço. Tudo que é bem feito leva tempo. Os autores exemplificam essa situação com o casaco artesanal em patchwork da Dolce & Gabanna, cujo prazo de entrega é de 4 semanas e custa 3.585 euros; recorrem também ao prazo de entrega de certos modelos de carros.

Aplicação na empresa

Com relação à aplicação do estudo na empresa, Gavilán diz que é preciso fazer a seguinte reflexão: a espera deve ser eliminada, camuflada ou atenuada? Quando uma pessoa espera, ocorre uma série de reações. Do ponto de vista emocional: aborrecimento, ansiedade, incerteza, enfado; do ponto de vista comportamental: reclamação, desistência ou abandono do serviço. Por isso, Gavilán explica que “quando há espera, como empresário o indivíduo deve esperar que haja lucro (em virtude da percepção de valor), mas também prejuízo.

O importante não é acabar com a espera, e sim com os aspectos negativos dela, de modo que seja uma experiência tão agradável para o cliente que acabe perdendo importância”. É nesse momento que entra em jogo algo que, para Gavilán, é fundamental hoje em dia para o marketing. O marketing “precisa ser uma fonte de experiências no setor de serviços porque, dessa forma, será possível extrair da espera tudo o que ela tem de bom.

É mais barato oferecer serviços que tenham um certo tempo de espera, uma vez que aumentar o pessoal para abreviá-la acarreta um custo que será pago pelo cliente. Contudo, essa demora pode ajudar a dar a impressão de que seu produto ou serviço é de qualidade superior e, além disso, torna a espera mais tolerável”, explica. A espera presencial não é a mesma coisa que a espera física. Segundo Gavilán, “a fila tradicional é muito mais sensível e requer uma dose maior de distração. Na hora de investir nesse tipo de fila, pode haver distorções se o provedor do serviço não der a devida atenção à experiência.

Se faço alguém esperar um tempo porque o cliente pensa que sou melhor do que outro, tudo bem. Contudo, passado um certo tempo, o cliente começa a achar que sou mal educado, ou que o serviço é ruim. A espera favorece o empresário, mas, cuidado! Ela tem limite!”. Se a espera não for presencial, a coisa muda de figura. “O fato de que sejam necessários cinco meses para que o consumidor receba um produto tem como consequência o fato de que, em geral, ele acredita tratar-se de um produto melhor.

Além disso, essa demora não requer um grande esforço. As montadoras de automóveis de luxo, com prazos de entrega muito demorados, permitem que, durante esse tempo, o cliente possa desfrutar da experiência de testar o modelo, dão a ele algum tipo de animação enquanto espera, o que, além disso, torna o produto mais desejável.” A demora pode ser fonte de lucro se bem administrada, observa Gavilán. Portanto, em vez de recomendar aos empresários que concentrem todos os seus esforços em eliminá-la, conforme sugerem outros estudos, os pesquisadores prescrevem uma estratégia diferente por vários motivos.

“Em primeiro lugar, porque na espera distinguimos entre a experiência de esperar — oito em cada dez clientes a classificam como extremamente negativa — e seu significado, cujo conteúdo pode ser favorável ao fornecedor do serviço.

Em segundo lugar, porque a descoberta desse valor pode ser interpretada como oportunidade de negócios. Em terceiro lugar, porque uma gestão eficaz é aquela que consegue aproveitar ao máximo as oportunidades, minimizando os problemas.” Por fim, os autores fazem as seguintes recomendações sobre a gestão da espera: “Deve-se intensificar os esforços para abreviar a duração percebida, melhorar as condições físicas do lugar onde se espera, promover experiências lúdicas, situar a espera no momento adequado da prestação de serviço — é melhor esperar depois de iniciada a prestação do serviço do que antes de iniciá-la”.

Embora, do ponto de vista econômico, o custo desse tipo de medida possa não ser muito barato, os autores observam que “do ponto de vista da criatividade, o esforço é, sem dúvida, superior ao que se deve fazer para eliminar a demora.

A vantagem obtida, porém, é a percepção de superioridade: se o que esperamos é melhor, estamos dispostos a esperar”.

 

 
 
 

 
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